A Telemedicina chegou para transformar a realidade de milhões de usuários e operadores da saúde no Brasil, e eis que uma pequena transformação digital dá sinais de que novos e bons tempos trazem consigo benesses que estarão ao alcance de todos.
Que tal falarmos das consultas médicas por videoconferência?
Acreditem, é tão produtivo realizar uma conversa com um médico pela tela do celular quanto no consultório. Em tempos de coronavírus, a maior parte de nós prefere esse “presencial à distância”.
Após precisar de orientação médica, decidi experimentar a novidade há poucos dias e aproveito para contar como foi.
O atendimento iniciou-se por uma conta comercial do Whatsapp e, em minutos, eu já tinha dados para pagamento e link para acesso. Após enviar o comprovante do depósito, a pessoa responsável pela marcação de consultas confirmou-me o dia e o horário, bem como a necessidade de instalar determinado aplicativo.
Cumprida essa etapa, lá estava eu, conforme o combinado com a clínica, para minha primeira consulta médica por meio de um dispositivo tecnológico, e eu ainda poderia escolher qual deles seria o melhor para a minha experiência de usuário. Decidi fazer pelo celular e preferi ficar dentro do carro, na garagem de casa, por uma questão de isolamento acústico – sim, é virtual, mas eu queria que a sensação do sigilo do consultório fosse reproduzida naquele instante.
Não precisei me arrumar para sair, nem dirigir e enfrentar o trânsito frenético das capitais brasileiras, nem lutar por uma vaga em estacionamento e nem ficar ocioso na sala de espera da clínica.
Começamos com o de praxe: quem sou, o que faço, minha idade, peso e altura e o que me levava a buscar aquela especialidade. Expliquei-me, conversamos longamente, recebi as devidas orientações e, por fim, a doutora comprometeu-se em enviar a receita médica digital. O inteiro teor veio por email, além de um QR Code recebido por SMS.
Ao clicar sobre o link da mensagem, foi aberta aba no navegador onde estavam todos os dados encobertos por asteriscos – apenas eu poderia acessá-los. Além disso, havia um mapa que indicava estabelecimentos que aceitavam a receita em formato eletrônico, informando ainda em qual eu conseguiria o maior desconto.
Ao chegar à farmácia escolhida, aguardei para ser atendido, tempo que aproveitei para ver todos a minha frente, sem exceção, segurando suas receitas médicas em papel. Cada atendimento antes de mim levou uns sete minutos em média, pois era preciso conferir o CRM do médico e ler corretamente o nome do medicamento, além dos preenchimentos obrigatórios daqueles remédios com venda controlada.
Chegou a minha vez e, para validar as informações da receita digital, bastou apresentar o QR Code para que o atendente rapidamente identificasse o nome do medicamento, atestasse a identidade da médica e validasse sua assinatura produzida com um certificado digital ICP-Brasil, única com o mesmo efeito probante das realizadas em papel e reconhecidas no cartório. Tudo em menos de um minuto.
Fiquei pensando nas muitas possibilidades que um simples QR Code poderia criar. Todas as bulas impressas poderiam ser substituídas por esse código de barras bidimensional que pode ser lido por qualquer telefone celular, economizando papel e outros recursos importantes. Isso significaria baratear a produção e ao mesmo tempo tornar a indústria farmacêutica menos burocrática.
Em 2019, durante palestra, David Feinberg, head de Saúde do Google, disse que “na área de saúde, ao invés de inventar o Netflix, a gente ainda aposta que dá para fazer as coisas na Blockbuster andarem mais rápido”.
Por que ainda consultar o papel se podemos ter o mesmo arquivo acessado por milhões de usuários por meio de tecnologia muito mais barata? Não seria o exemplo de Feinberg aplicável? A receita médica e a bula em papel são a locadora que a gente parece ser obrigado a alugar fitas e DVDs com prazo de devolução, enquanto o documento eletrônico com a devida identificação e assinatura legal é o streaming para assistir filmes na melhor das conveniências.
Nossa cultura é conservadoríssima e, para cada inovação na área da saúde, o sistema imunológico dos românticos da caneta, do carimbo e das letras ilegíveis atuará para garantir o atual funcionamento do corpo, como se a digitalização fosse a substância estranha a ser combatida.
Enquanto a tecnologia é uma lebre, a legislação é uma velha e simpática tartaruga que mal acompanha eventos ao seu redor. É hora de avançarmos para um admirável mundo novo e repleto de oportunidades para todos onde a experiência do usuário seja o que mais importa.
Chega de vide bula!
*Edmar Araujo, presidente executivo da Associação das Autoridades de Registro do Brasil (AARB). MBA em Transformação Digital e Futuro dos Negócios, jornalista, especialista em Leitura e Produção. Membro titular do Comitê Gestor da ICP-Brasil