Texto de Diana Gabanyl e Jackie de Botton
Há pouco mais de seis anos, quando estávamos fazendo os planos para abrir a The School of Life no Brasil, sentadas no chão de uma sala de apartamento e debruçadas em uma quantidade enorme de material, deparamos pela primeira vez o conceito de “bom o suficiente”.
Entre manuais e formulários, um texto nos chamou atenção por falar que a vida não é feita apenas de momentos perfeitos. Estes são raros.
Nos relacionamentos, no trabalho e até na função de pai ou mãe, ser bom o suficiente é mais do que aceitável – e perceber isso nos livra da pressão da busca incessante pela perfeição. Claro que ter grandes ambições é nobre e importante, mas também pode ser uma fonte de problemas terríveis e pânico desnecessário. Quem trouxe à tona esse ideal nos anos 50 foi o psicanalista inglês Donald Winnicott.
Ele frequentemente se reunia com pais que se sentiam fracassados: talvez porque seus filhos não tivessem frequentado as melhores escolas, ou porque às vezes havia discussões na hora do jantar, ou a casa nem sempre estava completamente arrumada. O insight crucial de Winnicott era que a agonia dos pais vinha de um lugar específico: excesso de esperança.
O desespero deles era consequência do perfeccionismo cruel. Para ajudá-los a reduzir essa sensação, Winnicott desenvolveu o que chamou de “o pai suficientemente bom” ou “theo good enough parent”. Nenhuma criança, ele insistiu, precisa de um pai ideal. Só precisa de um pai bem-intencionado, um “pai o.k.”, às vezes mal-humorado, mas basicamente razoável. Winnicott não estava dizendo isso porque gostava de se contentar com o segundo melhor, mas porque percebeu que, para permanecermos sãos (já uma grande ambição), temos de aprender a não nos odiar por não sermos perfeitos.
O conceito de “bom o suficiente” começou em relação à paternidade, mas o aplicamos em todas as áreas da vida, especialmente em torno do trabalho e do amor, as grandes questões da vida moderna. Um relacionamento pode ser bom o suficiente mesmo quando tem seus momentos mais sombrios. Talvez não façamos tanto sexo quanto imaginávamos ser o ideal e discutamos bastante.
No entanto, nada disso deve nos levar a nos sentirmos esquisitos ou infelizes. Pode ser bom o suficiente. Se colocarmos o relacionamento na balança e ela estiver um pouco mais favorável, está valendo. Não precisamos (e talvez isso venha com um custo enorme) ter um daqueles relacionamentos que coloquem a balança lá em cima todos os dias.
Da mesma forma, um trabalho pode ser bom o suficiente. Nós podemos não ganhar uma fortuna, mas fazer alguns amigos de verdade, ter momentos de genuína empolgação e terminar alguns dias muito cansados porém com um sentimento de verdadeira realização. É preciso muita coragem e habilidade para manter uma vida comum.
Perseverar antravés dos desafios do amor, do trabalho e da criação dos filhos é silenciosamente heróico.
Talvea devêssemos, com mais frequência, retroceder para reconhecer que nossa vida é boa o suficiente – e que isso já é, em si, uma grande conquista.
Esse foi um dos conceitos fundamentais para que tivéssemos a liberdade e, de certa forma, a coragem para montar a escola no Brasil. Cotidianamente, aplicamos o conceito na nossa vida pessoal e aqui na The School of Life, nos mais diferentes projetos que fazemos.
Assim levamos uma vida com menor pressão interna e maior apreciação dos pequenos prazeres.
Fonte: Revista Veja São Paulo, 06/02/2019.
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