Economia anual é de R$ 200 mil na impressão de papéis e reconhecimento de firmas no caso da Leroy Merlin
A Lei da Liberdade Econômica, uma das apostas do governo para desburocratizar o ambiente de negócios, provoca mudanças em uma das instituições mais presentes na vida dos brasileiros: o cartório.
Em vigor desde setembro, a lei aumentou a validade jurídica dos documentos certificados digitalmente, que ganham cada vez mais espaço no cotidiano das empresas.
O motivo é simples: certificados digitais podem reduzir custos em até 90% em relação à tomada de fé pública por um tabelião e facilitam também a vida de pessoas físicas.
Antes da lei, para cada cópia de documentos públicos, como contratos comerciais, era preciso um novo reconhecimento de firma para o texto ter peso jurídico. Por isso os cartórios ganharam tanto espaço no dia a dia dos negócios no país, com custos altos. Com a certificação digital, a romaria até os escritórios de serviços notariais é reduzida porque a alternativa tecnológica atesta todos os dados referentes ao documento original, como autor e data.
As grandes empresas que investiram em certificados digitais ainda antes de todo o respaldo legal, colhem bons resultados. Desde 2016, os advogados da operação brasileira da Leroy Merlin – varejista de itens para casa – só vão a cartórios para assinar documentos de compra ou aluguel de imóveis. Os mais de nove mil contratos anuais com fornecedores são todos assinados por meio eletrônico.
A economia anual é de R$ 200 mil na impressão de papéis e reconhecimento de firmas, estima a empresa. “Levávamos até 45 dias para ter o ok de todas as partes num contrato. Hoje, com a assinatura digital, fazemos em dois dias”, diz Rodrigo Kalil, diretor do jurídico da rede.
A seguradora Porto Seguro adotou os certificados digitais em março na tentativa de reduzir custos na autenticação de documentos para participar de licitações. Segundo Rivaldo Leite, vice-presidente comercial da empresa, a economia foi de 80%.
Na indústria de cosméticos O Boticário, o uso de certificados digitais começou em 2017 para documentos trocados com os 900 franqueados pelo país. A ida ao cartório só acontece nos casos em que Juntas Comerciais locais ainda não reconhecem a validade das versões digitais, uma resistência que deve cair com a nova legislação. A empresa estima deixar de fazer 25 mil impressões por ano.
Enquanto vê o avanço dos certificados digitais sobre seus antigos clientes, a atividade cartorária no Brasil ainda está longe de oferecer uma concorrência à altura. Trata-se de um setor estagnado. Atualmente, o Brasil tem 13.263 cartórios, só 3% mais que em 1999. Isso é reflexo do endurecimento nas regras de criação de municípios a partir dos anos 2000.
Por lei, toda cidade deve ter um tabelião. Apesar disso, só 88% têm os serviços, segundo o Instituto Millenium, centro de estudos dedicado à melhoria do ambiente de negócios. Além disso, poucos atendem clientes pela internet. No Distrito Federal, onde a atividade é a mais informatizada, apenas 26% têm sites. Em São Paulo, a taxa é de 15%. No Rio, apenas 7%, segundo Wagner Vargas, pesquisador do Millenium.
Antevendo a digitalização, Válber Cavalcanti, titular do Cartório Azevêdo Bastos, em João Pessoa (PB), investiu há 12 anos em certificação digital. Em vez de perder clientes, seu cartório atende hoje 11 mil empresas. “À base de papéis e carimbos, a atividade (dos cartórios) não dura cinco anos”, afirma Cavalcanti.”A digitalização pode reduzir os custos com autenticação para menos de 10% da versão em papel.”
Segundo Edmar Araújo, diretor executivo da AARB, associação que reúne grandes certificadoras, como Serasa e Serpro, o número de cadastros ativos de pessoas e empresas brasileiras com certificados digitais quase triplicou desde 2018 – saiu de 2,2 milhões para 4,7 milhões. Em 2019, as receitas desse setor devem crescer 30%, para R$ 1,2 bilhão, muito por causa das empresas que trocaram as salas de espera dos cartórios pela internet.
Desafio é simplificar as regras sem correr o risco de fraudes
A Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), que reúne os titulares de cartórios no País, reconhece os desafios para cumprir a Lei de Liberdade Econômica.
O advogado Dixmer Vallini Netto, assessor jurídico da entidade, diz que a categoria está disposta a colaborar com o governo para simplificar as regras para fazer negócios, mas argumenta que fraudes podem ser validadas com as mudanças. Ele diz que a entidade não preza apenas os interesses dos cartórios, mas a segurança jurídica do País.
“É fato que a digitalização de documentos agora pode ser feita não só por cartórios, mas por outras entidades“, explica o advogado. “Queremos evitar a situação de qualquer documento eletrônico, até os fraudados, ter valor igual ao que passou pelos cartórios.”
Diante da perda de relevância dos cartórios no país, o governo deve enviar ao Congresso um texto sobre o futuro da atividade até o fim do primeiro semestre de 2020, segundo fontes do Ministério da Economia. A ideia é criar incentivos para os cartórios virarem uma espécie de “balcão de serviços” da Justiça, agregando tarefas hoje comuns a fóruns, como protocolo de processos.
Em outra esfera, a equipe técnica do ministério quer abrir o mercado de certificação digital e forçar ainda mais a queda nos custos de autenticação de documentos. No Brasil, as regras são definidas pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), criado em 2001 e gestor do ICP Brasil, tecnologia de reconhecimento da autoria de documentos eletrônicos que, na prática, restringe o mercado.
O modelo é visto como uma espécie de “oligopólio das certificadoras”, nas palavras de um integrante da equipe econômica. Isso por ser fechado a outras tecnologias de certificação, como o blockchain, que está por trás da criptomoeda bitcoin.
Em países como os EUA, cada certificadora adota suas regras sob vigilância das grandes empresas de auditoria, como EY, Deloitte, KPMG e PwC. Adotar esse padrão no Brasil, pode ampliar a concorrência e reduzir preços
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